Partir é ir em par

Eu guardo festa nos cabelos. E na ponta dos pés. Não porque é assim que deve ser. Mas porque eu quero que seja assim, pra mim. Acredito que as voltas da vida, são cirandas que nos ensinam os ciclos de cada dia. As revoltas de cada dia. Cada dia em si... e suas escolhas que carrega consigo. A gente é sempre abrigo; pro bem e pro mau, mas é a gente que escolhe sempre quem abrigar.
Talvez você que eu nem conheço mas que acha me conhecer, me estranhe falar assim:
— É que o melhor da vida nunca há de vir. Ele sempre está passando por entre o vão dos dedos e das horas mansas, sem descansar. Ele nunca há de vir mas já passou: o melhor da vida é o agora.
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E você? cansado de ver teu corpo solto numa estrada qualquer, há um qualquer de hoje que sintetiza tua caminhada toda. Não sei qual a tua rota (até onde e quando que você me permita saber). Sei da minha e a minha, tem que fluir, tem que ser leve e significar.
Acredito nas vezes que me diz que teus olhos são lápides velhas escondidas por baixo da terra. Qualquer um diz isso. Quem fala de si, certo deve estar. Quando falo de mim, falo de terra. E você que me lê, já sabe que terra e eu somos uma coisa só. Não sozinhos. Da terra, eu apenas me misturo quando é dia de ser do mundo. Perceba: todo mundo tem um dia de "ser do mundo"! E o significado a isso, é também você que dá.
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O meu mundo é pedaço de chão. Meus sapatos, a sola de um pé que não cansa de topar seus dedões com formigueiros e que... também sacralizam teu jeito de benzer raízes, de alimentar a seiva da própria identidade. As minhas raízes são livres e fortes. E fazem tua casa onde bem entender. Se bem que casa minha mesmo, é um pedaço de asa e um punhado de vento. Eu gosto de vento e de todo movimento que ele traz. Eu permaneço sem pertencer. Não há de ser lamento, meu jeito assim.
Lamento pra mim, é leito de rio que quer ser represa.
Você, que me vê mas não me sabe. Eu é que sei de mim. De mim sei o bastante pra não me acovardar dos restos que deixei pra trás. Das lutas que lutei sem perdas. Das perdas secadas sobre as pedras de um muro, numa estrada de terra qualquer. O meu lugar é qualquer um. Mas entenda que não é um qualquer lugar que me cabe tão bem. Preste atenção, você também tem esse lugar aí que te encaixa tão sem sobras, sem espaços, sem lacunas - um doce, uma bebida, um alguém, um perfume, uma música... Sei lá. Está lá!
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Há tanto que se ouve dizer por aí em partir. Não que não me doa, só não deixo espaços para me doer à toa. Priorizei o bonito, o grato e os meus sapatos gastos. Os meus pés são largos, mas meus abraços também.
É que partir pra mim, é como parir um outro hoje e acrescentar estradas aos olhos. Eu aprecio estradas e poucos compreendem-as, porque engessaram a ideia de que estradas e despedidas são sinônimos. Mas toda ida é vinda do outro lado. O contrário também.
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Então que partir é abreviar os momentos enquanto eles são mágicos. É não se prender na dor, mas aprender a si mesmo e isso, acredite, dói!.
É também, se concluir num olhar da cor que for.
É ir, apenas, pra um bem querer maior. Pra se querer melhor, além.
Partir não é separar, é juntar.
Partir é tipo riso que depois de solto, nem teu é mais.
Partir é ir em paz.
Mais, partir é ir em par.
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| Samara Bassi - Partir é ir em par -  reedição de 2016  |
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