A memória dos elefantes


Calçou seu andar lento em terra batida, como faz quem peregrina  em busca de um oásis matinal. Banhou-se até encharcar a pele,  descolorindo a terra  de tuas estrias calejadas do ontem. 

— Vá, menino! O dia te busca e te chama. Te ensina. Depois, te faz retornar e me contar tuas fábulas de montanhas, meu grande menino.

Há quem saiba lhe dizer o caminho de volta às margens daquele rio que não chora nem sangra lições infantis da tua passagem. Ordene as ídas  e volte ao meio dia, baixando os olhos de lamento. Há vezes mais que estudei teus passos moldurando o caminho e lama, sem a pressa dos homens. Há lembranças de dezembro em sol a pino. De fevereiro, sob sua estrada farta, ladeada de ipês. Teu passo é longo e lento, e teu leito se verga flexível diante de toda a sua docilidade. Teu coração é a tua fortaleza. Tua força, essa colossal fragilidade que não mente as tuas tantas vidas e vindas guardadas, desaguadas como seus banhos ao sol. Olhos baixos rodeiam os montes e  estendem-se tal qual espadas defendendo teu chão. Deixei meus pés descalços diante dos teus, devotando o sagrado nivelado com o beijo na testa, menino, e toda lembrança vestida de marfim. Teu marfim que por muitos e muitos combates,  não deixaram vingar. Tampouco argumentar por indomabilidades já tão caídas por terra.

— Houve uma noite em que escutei teu choro ecoando na floresta seca. Tão empoeirada de mãos . Tua rota me levou aos teus e, guardando migalhas que pousadas dia após dia num chão pisado de ontens, não reviveram tuas aves domadas diante de nós. Lembra-te dos versos que não compus! Ouça as preces dos teus pequenos, sem o esquecimento. Não, não há esquecimento para ti e nenhum gesto se nasce em vão.

Desde então que debruço todas as minhas tardes sonhadas no teu lombo cansado em busca do que já se sabe, sem revidar. Me conta histórias e também sabe que, alarde é o veio d'água que não molha teus pés e tua sede não mata. Que não te benze no improvável, teu eco calado de dor e correntes.
Lembra-te, então, dos açoites fincados pelo caminho tão farto de nada, que tuas pegadas nada mais fizeram do que guardar caminhos pra volta do teu memorável arrebol de inércias, ainda tão cultivadas no ríspido, no hostil — lembranças ensolaradas de tempo, calçadas de pó. Uma querência que arde na iminência da volta pra casa: teu chão bruto-inesquecível. Há de chegar sem ter ido, sem ficar dolorido, sem lutos no teu coração de rei. 

│Samara Bassi -  A memória dos elefantes - reedição de 2014

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