'Imansidão'

©samarabassi-arquivopessoal
 A brevidade alcança todo o tempo, o tempo todo. Nos ultrapassa. E o tempo passa, só.
Embola as roupas secando nos varais, nos olhos beirados à margem de acontecer qualquer deslumbre de ontem, e terminar. 
Sim, você já sentiu! Você conhece bem desse arremate que arranca os prantos pelas raízes e desemboca, boca a boca. 
Digo daqueles espasmos vertentes sem causa definida mas, com toda a razão de vir à tona. 
Te falo dos cantos arremessados pelas janelas dos automóveis em curvas, entupidas de gente que chora e ancora a vida, sem distração. 

Me calo sem silêncios, todas as vezes faladas e mortas caídas pelos vãos, desses que o tempo sabe como esvair e como bem entender. 
Foi o bastante, todo riso teu me contar tuas histórias pelo canto da íris. Escritor e poeta, você foi sem pretensão, a minha magia diária. Foi o teu verso que mais fez estradas em mim, teu assobio e havaianas de dedos largos para decifrar essa tua mania de colher gravetos... que mais me descobriu. Foi teu riso transparente, as minhas cortinas abertas.
Tua mansidão me trouxe sempre campos imensos de suposições. Tua imensidão não tinha hora, não era mansa, mas me levava como pluma, a pular das minhas pontes todas, de cabeça e sem freio algum. 
Você nunca conheceu os meus medos. Só soube dos teus cabelos presos nos meus dedos, bem desajeitados, até. 

Sei como se fosse hoje, daquele papel de bala de desembrulhar poemas e contar formigas, ou-qualquer-coisa-assim. Mas foi a sua menina do cabelo azul que me arrematou de vez. Tudo havia se encaixado, síncrono e particular. Eu já te (re)conhecia e sabia, que você viria.
Carreguei teu violão no parque como quem debruça todas as noites pra contar feijão. É que o preparo sempre acontece antes e te digo mais: quando eu te reparei, parei o tempo e nem preparada estava pra esse fenômeno que você se tornaria em mim. Te quis vendaval! E tudo é um vento que desunta a forma das nossas tagarelices e loucuras de viela, sem nunca se conter no mundo, nem naquelas nossas ruas escuras, de lentidão.

Teu desarrumar me trouxe ordens de veraneio. 
Você me veio e eu já estava. Eu te inaugurei em mim. 

A gente nunca se conteve, a gente só era contente, dia por dia. Então, tente não lembrar, mas não esqueça. Não esqueça das tuas mais gostosas gargalhadas, das disparadas furando o tempo pra chegar na hora, mas sem compromisso. E por onde quiser chegar, chegue com teu olhar que até hoje me conta histórias. E você nem sabe! Que me faz não conhecer os enredos mas eu, eu as leio todas do meu jeito. Eu me atrevo a te reler.

Abrace o brilho dessa luz vazia te esperando na porta, como aquele dia de queimar torradas, depois de revirar o mundo dos teus olhos. Depois dos ontens, meu bem, todo dia é hoje. E o agora, só tem roupa de festa pra te ver chegar, não importa onde. Não importa mais. Só abra a porta, desse jeito mesmo, desse peito espesso e vai!

Todos os dedilhos do teu violão ficaram guardados no meu corpo. Desde o primeiro até aquele que nunca mais veio, ficando à espera, vestindo vermelho.  

E ficou tanto espaço! Há tanto espaço, porque aprendi a colocar cada coisa no seu lugar. N.o. s.e.u. l.u.g.a.r., sem ocupar espaços demais, sem me preocupar depois. Aprendi a  apreciar a tal chuva de verão que nos pegou de surpresa, no Botânico. Sei lá,  eu aprendi a me improvisar, sempre quando você estivesse perto demais. É que pelas frestas do tempo, eu só dissimulei. Mas não, não me esqueci de acontecer, de ser, de ser eu, de querer também outros caminhos. Até os mesmos que os teus. 

Também não sei e foi por pouco que não nos trombamos. Por anos e anos... fomos. Somos o que quisermos ser, em qualquer história. Só existia e coexiste o momento e nada mais, até o próximo dele vir bater à minha porta e tocar meu telefone. Só vai, vai porque ainda que vá, nunca há de ir de mim por inteiro. Dessas inteirezas todas, tens um punhado de sementes e versos que eu plantei por aí. E que nunca foram só meus. Foram caminhos, ainda que verdes, que em meu mediastino cresceram.

As escolhas são e foram cirandas vestidas de espasmos e o teu sorriso, menino, é hoje o meu melhor retrato. Você foi a minha sina, a minha "esquina", mas olha: que sorte a minha! E a sua, também! 
Fizemos, trouxemos, tivemos amor. Só não tivemos, naquele tempo, tanto tempo a nosso favor.

*escrito em 2012

│Samara Bassi│


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